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Políticos preparam estreia de filhos e cônjuges para disputar vagas nas eleições de 2024 no Ceará; cinco municípios - Mulungu, Quixadá, Iguatu, Tabuleiro do Norte, Quiterianópolis e Pacatuba

 Sobrenomes já conhecidos nos colégios eleitorais Ceará afora devem voltar a se repetir nas eleições de outubro, com o lançamento de candidaturas de parentes de políticos para o comando de prefeituras municipais. A prática, comum no sistema político brasileiro, fez com que no último pleito 71% das cadeiras do Legislativo estadual fossem preenchidas por candidatos com capital político na família.

De acordo com a Carta Magna, só não podem ser eleitos os cônjuges e os parentes consanguíneos, até o segundo grau ou por adoção, do presidente da República, de governadores, de prefeitos ou quem tenha substituído qualquer um dos cargos de chefia do Executivo dentro dos seis meses antes da eleição. A legislação não veta a participação de parentes de ex-prefeitos ou de outros políticos de mandatos proporcionais.

Para este ano, ao menos cinco municípios - Mulungu, Quixadá, Iguatu, Tabuleiro do Norte, Quiterianópolis e Pacatuba - devem contar com os nomes de filhos, sobrinhas e esposas de agentes públicos nas urnas durante a disputa eleitoral. Se saírem vitoriosos, tais postulantes garantirão a continuidade do poder concentrado sob as árvores genealógicas dos seus grupos familiares.

Pelo que ressaltou Monalisa Torres, professora em Ciência Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), a tradição de famílias não é algo novo. "Data de muito tempo, não é exclusivo do Ceará ou do interior, é um fenômeno que não pode estar exclusivamente atrelado ao que a gente entente, ao que o senso comum chama de política tradicional, de velha política". 

"Na verdade, esse viés familiar da política, de tradição de famílias na política, ela foi se adaptando, foi se modernizando, foi acompanhando as mudanças no jogo político democrático, ela se adaptou às novas regras do jogo político democrático".

MONALISA TORRES
Professora de Ciência Política - UECE

A docente apontou que a estratégia também não é exclusiva do interior. "Ele pode também acontecer em capitais. Se você olha, por exemplo, para Pernambuco, em Recife há uma tradição de disputas familiares, pela direção da Capital. Em São Paulo também existem legados de famílias de políticos que vão se consolidando e construindo uma trajetória política própria", justificou. 

A mesma defesa de que o familismo político não é uma particularidade da vida pública cearense foi feita pelo professor Raulino Júnior, da Universidade Regional do Cariri (Urca). "A política brasileira como um todo tem essa característica, essa tradição. Assim como outros países, nos Estados Unidos existe essa relação entre família e política", sustentou. 

MULUNGU

Em Mulungu, na região do Maciço do Baturité, a vereadora Lyziane Bitar (PL), esposa do deputado estadual Stuart Castro (Avante), é pré-candidata à Prefeitura Municipal. Ex-presidente da Câmara Municipal, sua participação na eleição é costurada desde o ano passado. 

Em abril de 2023, ela chegou a acompanhar o marido durante uma viagem a Brasília, quando ocorreu a marcha dos prefeitos. No Distrito Federal, o casal teve um encontro com o titular do Ministério da Educação e ex-governador do Ceará, Camilo Santana (PT), e com parlamentares cearenses.

Mais recentemente, no início de março, o Apóstolo Marcos, que também era pré-candidato a prefeito de Mulungu, anunciou que iria integrar a chapa encabeçada por Lyziane como vice-prefeito. O acordo foi anunciado pelos dois com uma postagem compartilhada no Instagram.

"Esta aliança celebra humildade, unidade e determinação para lado a lado superarmos as diferenças, individualidades e somarmos nossos pensamentos comuns em prol do desenvolvimento do nosso município e oportunidades para o nosso povo", disse a legenda da publicação. 

À reportagem, o deputado frisou que a sua esposa irá concorrer ao pleito e que a chapa a ser apresentada está em definição. "Temos dois possíveis pré-candidatos a vice prefeito, que será indicado através de pesquisa. São eles: o empresário Márcio Braga e também o Apóstolo Marcos".

QUIXADÁ

A participação de herdeiros políticos também pode ocorrer em casos onde o líder fica impossibilitado de assumir uma candidatura. Em Quixadá, no Sertão Central, o ex-prefeito e atual assessor especial da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República, Ilário Marques (PT), não poderá mais concorrer e a missão agora deverá ser cumprida por seu filho, Victor Marques, que surge como uma possibilidade para o páreo.

Ilário era pré-candidato desde o ano passado e surgiu no cenário como uma oposição consolidada ao atual mandatário do município, Ricardo Silveira (PSD), que tentará a reeleição. Os planos foram sustados em fevereiro deste ano, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) condenou o petista ao pagamento de uma multa e o declarou inelegível.

Recaiu sobre o colo de Ilário uma condenação por má-aplicação de recursos públicos na obra inacabada do Hospital Municipal Dr. Eudásio Barroso. A construção foi iniciada em 2004, ao fim do primeiro governo de Marques. Pela determinação do Tribunal, ele teve que desembolsar R$ 525,5 mil, além de multa no valor de R$ 30 mil.

O nome de Victor, que atua como professor universitário no interior de São Paulo, era cogitado entre os membros da base do governador Elmano de Freitas (PT) desde meados de 2023. Em dezembro, ele, seu pai, o ministro Camilo Santana e o deputado federal José Guimarães (PT) posaram juntos nas redes sociais, após uma reunião na Capital federal. "É o PT unido e forte rumo à vitória em 2024", indicou Ilário na legenda.

No fim daquele mês, foi a vez do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aparecer com o ex-prefeito e seu filho. "Quatro pessoas que amam Quixadá e o Brasil, se olhando!", escreveu o político no texto que acompanhou a foto em seu perfil no Instagram.

Ao longo dos últimos meses, outras postagens mostram o docente junto a Ilário em agendas pela cidade e nos eventos do Partido dos Trabalhadores. Uma dessas oportunidades foi o aniversário de 44 anos da sigla, comemorado pelo diretório municipal quixadaense no final de fevereiro. A pré-candidatura ainda não foi anunciada.

Contatados, o assessor especial do Governo Lula e seu filho não responderam aos questionamentos feitos. O conteúdo será atualizado caso haja alguma devolutiva.

IGUATU

O corpo a corpo pelo Paço Municipal iguatuense está em um estágio em que Ilo Neto (PT) é o nome que irá participar do pleito como representante da base do Governo Elmano. Ele é filho do deputado estadual Agenor Neto (MDB), vice-líder governista na Assembleia Legislativa do Ceará (Alece).

Antes no PSB, Ilo passou a fazer menção a outro partido em suas redes sociais ao passo que houve intensificação do seu nome como um possível candidato no município. Referências ao PT, ao presidente Lula e ao ministro da Educação passaram a ser vistas no Instagram do político.

Após acenos, a filiação dele à agremiação começou a ser falada nos bastidores. O desembarque, segundo interlocutores, contava com o apoio de padrinhos importantes na legenda, a exemplo de Elmano, Camilo e Guimarães. O convite para fazer parte do quadro veio do próprio governador. 

No último dia 21 de março, o diretório estadual do PT no Ceará aprovou, por 12 votos favoráveis, dois contrários e uma abstenção, a filiação do filho de Agenor Neto. A definição promoveu um racha no município, já que o diretório local havia anunciado a pré-candidatura do militante Dr. Sá Vilarouca em janeiro deste ano.

Com a decisão do diretório estadual, o PT Iguatu reagiu em nota. “O diretório municipal já tem a resolução deliberada de candidatura própria, com aprovação do nome do empresário José de Sá Vilarouca como pré-candidato a prefeito”, informou.

Por conta das divergências, Sá publicou um vídeo na última semana em que comunicou sua saída do PT. Nas palavras dele, o diretório cearense teria cometido uma "traição" e estaria sendo "cúmplice da extrema direita". "Em breve anunciarei o partido para qual irei", falou.

O pré-candidato se reuniu com lideranças de outros partidos, como o deputado estadual Marcos Sobreira (PDT) e o deputado federal Danilo Forte (União). No entanto, ainda não anunciou a nova agremiação.

Diário do Nordeste acionou os citados, que não responderam até a publicação desta matéria. 

TABULEIRO DO NORTE

Familiares que não têm vínculo imediato com políticos também têm espaço na estratégia familista. Em Tabuleiro do Norte, o atual prefeito, Rildson Vasconcelos (PP) - que também é o presidente da legenda no município - escolheu o nome da sua sobrinha e atual secretária municipal de Assistência Social, Renata Vasconcelos (PP), para sua sucessão.

A filiação da pré-candidata ao Progressitas é recente, ocorreu na última segunda-feira (25), num ato que contou com a presença do deputado estadual licenciado e secretário de Cidades do Ceará, Zezinho Albuquerque, que dirige a agremiação no Estado. O evento aconteceu em um sítio da cidade.

Renata tem participado de agendas na companhia do tio, como a que aconteceu com a senadora Augusta Brito (PT), na quinta-feira passada. O presidente da Câmara de Tabuleiro do Norte, Marcos Aurélio (PP), também participou do encontro. O nome que irá participar da chapa majoritária como vice ainda não foi definido pelo grupo do mandatário.

Ao jornal, o presidente municipal do PP e gestor do Município de Tabuleiro do Norte confirmou a pré-candidatura e disse que a familiar já se desincompatibilizou do cargo que ocupava. "Ela é nossa pré-candidata. E já se afastou da secretaria, porque achou mais prudente ficar só com a pré-candidatura", contou. 

QUITERIANÓPOLIS 

No Sertão dos Inhamuns, mais especificamente em Quiterianópolis, Priscila Barreto (PSD), a prima do ex-prefeito Barreto Couto (PSD), chegou ao cargo com o apoio do parente. 

Candidata à reeleição, a partidária espera contar novamente com o impulso grupo do ex-mandatário. Um segundo nome, o da ex-primeira-dama, Juliana Abreu (PSD), também surgiu no horizonte partidário-familiar. 

Em dezembro do ano passado, quando entrevistado por uma rádio local, a FM Cidade, e indagado sobre o imbróglio, Barreto Couto defendeu uma unidade. "Em casa, nossa família se resolve. Vamos fazer essa reeleição de maneira harmoniosa", declarou, acrescentando que ele, a companheira ou a prima podem sair como candidatos.

Após ser procurada, a prefeita Priscila Barreto reforçou que seu nome "está à disposição do grupo". "Me mantenho no PSD, partido em que fui eleita", adicionou.  

A ex-primeira-dama também foi indagada. Apesar disso, nenhuma devolutiva foi dada. O espaço segue aberto para possíveis declarações.

PACATUBA

Na cidade de Pacatuba, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), as disputas ganham contornos familiares não só na pré-campanha à reeleição do atual gestor. As pré-candidaturas do empresário Ésio de Souza (PT) e da secretária do Bem-Estar Animal de Maracanaú, Larissa Camurça (União), apresentam nuances do tipo.

Nos dois casos, a disputa se dá pelas bênçãos do prefeito de Maracanaú, Roberto Pessoa (União), que já afirmou em algumas ocasiões que vai apoiar qualquer nome indicado pelo ex-parceiro de gestão e hoje deputado estadual, Firmo Camurça (União).

Em janeiro, o parlamentar lançou a esposa e secretária da gestão de Pessoa, Larissa Camurça, como pré-candidata no município. A questão é conflituosa porque a deputada federal Fernanda Pessoa (União), filha de Roberto, apoia a empreitada do marido, Ésio de Souza, à peleja eleitoral.

Em contrapartida, o empresário apela para a cúpula do União Brasil, que tem Fernanda como membro da Executiva Nacional, após mudança recente. Ele também conta com o apoio das outras legendas da federação partidária, o PV e o PCdoB, e do Solidariedade. 

Segundo Larissa, sua equipe está engajada no processo de pré-campanha há mais de um ano. "Sempre contando com o apoio do meu esposo, o deputado estadual Firmo Camurça, que foi fundamental para esse momento de esperança que Pacatuba está vivenciando atualmente", respondeu.

"Percebemos a importância de Firmo permanecer como deputado estadual para fortalecer nosso projeto, e estou totalmente à disposição dos pacatubanos para assumir o cargo do executivo municipal e devolver o sentimento de pertencimento à nossa cidade. É importante destacar que estou filiada ao União Brasil e conto com o apoio do prefeito de Maracanaú, Roberto Pessoa, uma figura de destaque na política nacional", indicou, que disse ter o município vizinho como um "espelho e refúgio".

A assessoria de Ésio foi contatada para comentar o assunto, mas não houve manifestação até a publicação desta matéria. 

OUTRAS FAMÍLIAS POLÍTICAS NO BRASIL E NO CEARÁ

Segundo Raulino Júnior, que se dedica à pesquisa sobre elites políticas e outras problemáticas relacionadas com a representação política, a presença do clã Bolsonaro na política é um das manifestações mais evidentes da questão familiar. "Todos os filhos, os homens, têm envolvimento com a política", exemplificou.

"No Ceará, num período recente, na época da Ditatura Militar, a política estadual foi marcada pela liderança de três chefes políticos: Adauto Bezerra, César Cals e Virgílio Távora. Eles indicaram parentes para ocupar cargos políticos".

RAULINO JÚNIOR
Professor do Departamento de Ciências Sociais da URCA

O pesquisador também fez observações quanto à representação familiar na Alece e também sobre a proeminência dos Ferreira Gomes e a descendência de Camilo Santana, ambos no período pós-redemocratização.

Monalisa Torres, professora em Ciência Política da Universidade Estadual do Ceará (Uece), por sua vez, chamou a atenção para a "profissionalização da política", que seria outro elemento que explica a presença de famílias tradicionais em casas legislativas e no Poder Executivo em todo o Brasil. "Se a gente considera que o campo político é um campo extremamente fechado, há elementos que facilitam esse ingresso, um deles é o familiar", frisou, destrinchando uma parte do processo de fixação das parentelas. 

A pesquisadora, que toca um estudo em que mapeia tais núcleos familiares, mencionou como exemplos no Ceará - além da família de Eudoro Santana e dos irmãos de Ciro Gomes - os Domingos, os Aguiar, os Albuquerques e os Oliveiras. Todos os grupos mencionados, pelo que alegou Monalisa, utilizaram do mesmo mecanismo - que inclui a construção de uma rede de relações com influência em outros níveis de poder - para exercer o comando em determinados territórios.

Por conta da obediência dos políticos que recorrem a esse formato às regras do jogo democrático, Monalisa comentou que evita utilizar o conceito de "oligopólio" para nomear o fenômeno.

Raulino Júnior indicou que a ideia de que a ligação entre parentesco e vida pública não é algo necessariamente "atrasado". "Essa relação entre política e família não é necessariamente ruim. A gente tem casos de lideranças que têm esse vínculo com a política, de ser herdeiro ou herdeira, que são progressistas e implementam políticas públicas inclusivas, fortalecem a Democracia", salientou.  

Fonte - Diário do Nordeste.

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