Vejo que o seu livro é muito volumoso... isto não afasta o(a) leitor(a)?
Na verdade, isto coloca desafios: o primeiro se refere à leitura e o segundo tem a ver com os custos, especialmente, de impressão. Por isso, a gente buscou caminhos para amenizar essas questões.
Ele é escrito em fonte 12 e conta com imagens e cópias de documentos, tornando bem mais fácil a leitura. A nossa proposta é de que sirva de fonte de pesquisas e seja lido em etapas.
Sobre custos, alguns esclarecimentos: optamos por não receber royalties (significa que nada recebemos dos valores pagos e 100% é custo da Editora). Não temos nenhum patrocínio, público ou privado, mas resolvemos bancar todos os custos até a edição.
E, finalmente, buscamos versões com possibilidades diferenciadas, que variam de R$ 16,57 a virtual (825 páginas) e as 02 impressas, variando entre R$ 70,00 (679 páginas) e R$ 140,00 (774 páginas).
POR QUE UM LIVRO DE HISTÓRIA?
Um povo que não conhece a sua história tende a repetir os mesmos erros. Pior ainda, se ela for fantasiada para lhe enganar... e isso é o que vimos em nossa historiografia oficial e por autores mais identificados com essa linha. Isto não é uma especulação, é um fato.
Em nossa capa, destacamos 05 pontos marcantes dela (cangaço, coronelismo, ditadura, messianismo e oligarquia); 02 deles vêm retardando em séculos o nosso desenvolvimento, são as DITADURAS e as OLIGARQUIAS. Estas últimas, podem ser piores ainda, porque sobrevivem nas democracias e vivem de seus disfarces.
O cangaço e o messianismo foram movimentos de pessoas marginalizadas e por isso foram sufocados e destruídos ferozmente pelo Estado, que sempre existiu para servir a minorias privilegiadas, que se apropriaram dele. Isto já é uma informação importante a ser compreendida.
Em que se fundamenta o seu livro? Quais as suas fontes?
Primeiro, em nossas leituras sobre história (defendo que cada página escrita esteja respaldada em 100 lidas, pelo menos); segundo, em fontes oficiais, como o TRE/CE, o IBGE, o IPECE e todas as 07 Constituições já promulgadas em nosso país.
Mas, há um condimento em tudo isso: desde criança testemunhei muitos dos fatos que narro. Vivenciei e colhi também na oralidade as informações de épocas passadas, sempre procurando apartar fatos, causos e versões, a partir de análises que julgo criteriosas.
E por que o título A HISTÓRIA COMO NUNCA LHE CONTARAM?
São 02 os motivos básicos:
Porque narra fatos ainda não contados, como, por exemplo, relato de todas as eleições já realizadas em Tauá e, em grande parte, no Ceará e Brasil; e
Porque fugimos de uma visão típica da historiografia oficial e de publicações mais apegadas a conceitos e ideias focadas na exaltação de fatos e personagens, quase sempre incompatíveis com a realidade, como já dissemos.
Comente sobre alguns temas que são tratados.
As eleições estão esmiuçadas. Outros assuntos são abordados em relação às questões políticas (principalmente), econômicas e sociais. Há considerações sobre os povos indígenas, pretos e brancos. E de fenômenos, como a seca, a religião e o racismo.
O que fica muito claro é que jamais fomos o país pacato dos compêndios oficiais; nem um país justo. Na verdade, um percentual de 2 a 3% de nossa população tomou conta do estado, portanto, das suas riquezas e poder, em detrimento de todos os demais e continua insistindo nisso.
Dê exemplos que confirmem esse desencontro entre a visão de seu livro e a historiografia a que o senhor se referiu.
A chegada dos portugueses é pregada como cordial e benfazeja, mas, logo tentaram escravizar uma civilização que já ocupava essas terras há cerca de 12 a 40 mil anos. Não conseguindo, quase a dizimaram. E chamam a isso de descobrimento do Brasil.
Trouxeram os africanos escravizados. Mantiveram-nos por 350 anos sob esse jugo e não interromperam esse ciclo quando houve a proclamação da república. Fomos o último país do mundo a abolir a escravatura; com todas as agravantes que vieram antes e depois. Uma das maiores hipocrisias de nossa história foi a Lei do sexagenário, que é festejada.
No começo do século XX, desenvolveram um projeto de ‘branqueamento’ da população, tão cruel quanto desumano, e só não avançaram mais porque ficaram mais restritos às regiões Sul e Sudeste.
Como funcionou a nossa política, especialmente, no período a que a sua obra se reporta?
As eleições aconteceram no Império baseadas exclusivamente na renda (Constituição de 1824). Podia votar quem ganhasse acima de 100 mil réis por ano e se candidatar a deputado ou senador quem ganhasse acima de 200 e 400 mil. Portanto, eram simples condomínios, de pouca gente. Esses pequenos grupos, para mandarem num país de 10 milhões de pessoas.
Na república, em seu primeiro ciclo, até 1930, votavam os homens com mais de 21 anos e alfabetizados. Pequena evolução, pois, o voto era aberto e completamente controlado sob coação (pouca gente participava – entre 3 a 5% da população).
Veio a Era Vargas, que suspendeu eleições, mas, criou a Justiça Eleitoral, o voto universal e feminino, apesar de negar aos analfabetos; isto vigorou da Constituição democrática de 1946 até 1985. Mas, as eleições continuaram bastante contaminadas por esse processo histórico. As campanhas e o processo de apuração eram extremamente corrompidos. Hoje, podemos afirmar que as campanhas continuam assim, mas, avançamos extraordinariamente nas votações e apurações, sendo um exemplo para o mundo.
A verdadeira universalização do voto só veio em 1988 com a atual Constituição.
Na sua visão, ao que me parece, o Brasil foi um país injusto e que teve grande violência política e social. O que te leva a essa conclusão?
Já falamos da dizimação dos indígenas e das crueldades com os pretos. Toquemos agora apenas no período da república. Aproveitamos para um registro: o Ceará e Tauá estão conectados ao país.
Para se ter uma ideia, em 1890, em seus primeiros atos, a presidência decretou que “a vadiagem e a capoeira fossem criminalizadas”. Ora, como um povo que fora escravizado até aquele momento, sairia daquela situação, sem o auxílio do estado? Foi pior: além de continuarem negando essas oportunidades, ainda lhe puniram por isso. E repetiram um decreto semelhante em 1941, onde os que não provessem a família, estariam sujeitos à prisão.
Retroagindo novamente, em 1863, o governador do Ceará, José Bento da Cunha Figueredo, decretou a “EXTINÇÃO DOS INDÍGENAS”. Sabe qual o objetivo? A partir daquele momento, quem assim se declarasse ou fosse considerado, perderia todas as suas propriedade e bens.
QUANTO à violência política, basta dizer que 09 presidentes da república não terminaram seus mandatos nos 100 primeiros anos de república e 10 movimentos de revoltas ocorreram durante o mesmo período, levando à morte dezenas de milhares de brasileiros. Para exemplificar foram mais de 20 mil pessoas mortas na guerra de Canudos, envolvendo humildes trabalhadores rurais; o bando de Lampião foi eliminado pela polícia do estado, decapitados e suas cabeças expostas em praça pública. Milhões de pessoas morreram à míngua nas severas secas, enquanto alguns enriqueceram desviando os recursos que deviam servir para socorro – pela chamada “Indústria da Seca”.
Vamos trazer agora para personagens da nossa história, principalmente, de Tauá. Quem mais se destacou em cada época?
Politicamente, 04 tauaenses concentraram mais poder durante o 1º século: Lourenço Alves Feitosa, na fase da república dos coronéis, com atuação entre 1890 e 1915; Joel Marques, o mais longevo, deu as cartas entre 1928 e 1966, encerrando sua carreira política em 1970 – único a transitar por todas as fases (coronéis, Era Vargas, democracia e ditadura); Júlio Rego foi dominante entre 1962 a 1994 e compartilhou o poder com Antonio Câmara a partir de 1974, por 20 anos.
Como foram as eleições em Tauá durante o 1º centenário da república?
Eleição de verdade, a primeira foi em 1947; e começaram já influenciadas por todos os vícios do passado, portanto, por um processo extremamente corrompido. Lamento muito que em nossa região tenhamos ficado para muito além dos erros do Ceará e do Brasil, como está devidamente comprovado em nossas pesquisas.
E como foi o Brasil, o Ceará e Tauá do início da república?
Cada um espelhando o outro. No Brasil, o mando das oligarquias café com leite, de Minas Gerais e São Paulo. No Ceará, coincidiu com o comando de um oligarca tirano, Nogueira Acioli, um homem autoritário e que perseguia severamente os seus adversários; como o poder dessas figuras, nesse tempo, era quase absoluto, ele praticamente reinava sobre um povo muito sofrido e abandonado. E isto se replicava para todo o interior cearense.
Cite episódios incomuns ocorridos em Tauá....
Em 1912, a queda da Oligarquia Aciolina, no Ceará, e de Lourenço Feitosa em Tauá, foi emblemática. Nesta ocasião cerca de 150 homens partiram armados de Marruás para garantir a posse tranquila de seu parente e conterrâneo que assumia a Intendência.
Em 1958, e somente desta vez, um único negro assumiu um cargo eletivo em nosso município, também oriundo do distrito de Marruás – Argentino Barbosa. Para maior perplexidade, por conta de uma briga familiar dos que ‘mandavam’ no distrito, em que um dos ‘lados’ decidiu apoiá-lo como uma atitude de ‘revanchismo’.
Em 1960, tivemos uma cidade, desmembrada de Tauá, chamada Cococi, que possuía 165 habitantes (4.094, no município) e foi protagonista das maiores fraudes eleitorais nos Inhamuns e, muito provavelmente, no Ceará e Brasil. Claro, nas devidas proporções do seu tamanho.
Em 1970, 81 anos após a república, uma mulher assume o cargo de vereadora pela primeira vez. E mais uma curiosidade: porque o seu esposo se candidatara a Vice Prefeito e não tinha filho de maioridade. Dona Maria Luiza Uchoa Castelo.
Mas, um fato também inusitado, foi o que é considerado a maior rasteira política no centenário, quando em 1970, um político sagaz registrou 03 candidaturas a prefeito impossibilitando o adversário de concorrer.
02 casos de eleições da Câmara Municipal na década de 1980 estão relatados pela sua singularidade.
Por que Tauá é conhecida como terra dos deputados?
Porque fizemos jus a esse título. E vem desde o Império, quando muitos filhos dos Inhamuns estiveram na Assembleia Legislativa do Estado. Somente padres foram 07 até o início da República.
De 1891 a 1894, em duas legislaturas seguidas, emplacamos 03 representantes em cada. Tivemos 02 na Era Vargas e continuamos na democracia e na ditadura com larga presença.
Vejo que a Igreja foi muito atuante na política. Como foi o seu papel em Tauá durante o centenário?
Podemos dividir a sua atuação em nosso município em 03 partes bem definidas. Na atividade política, até a década de 1920; a conservadora e dogmática, de 1928 a 1965, marcada pela figura do Padre Odorico; e a progressista, de 1964 a 1988, com as expressivas atuações de Dom Fragoso e Padre José, por exemplo.
Há um fenômeno climático que abalou profundamente a região nordeste e, principalmente, o semiárido. Como eram as secas?
Olha, as secas levavam muitos à morte; à miséria absoluta, a quase totalidade de nossa gente. Todos sofriam direta ou indiretamente os seus efeitos e, como já dissemos, uma minoria insignificante até enriquecia com isso.
Pra se ter uma ideia, o estado do Ceará perdeu 1/3 de sua população entre 1877 a 1879, certamente, a mais devastadora de nossa história. Mas, elas se repetem com muita frequência e são emblemáticas as de 1915, 1932, 1958, 1970 e de 1980 a 1983.
Pessoas famintas invadiam armazéns. A providência do governo era jogá-las em verdadeiros campos de concentração onde trabalhavam em frentes de serviços a troco de comida. Isto aconteceu até o final do século passado.
Ainda sobre eleições em Tauá, o que o senhor poderia ressaltar como relevante?
É curioso que a instabilidade que levou a tantos presidentes da república não terminarem seus mandatos não tenha se verificado por aqui - 100% de quem se elegeu ou foi escolhido prefeito em Tauá, concluíram os seus, exceto o caso de quem espontaneamente se afastou para concorrer a deputado.
Também não aconteceu a excessiva centralização de poder numa só corrente política como no país. Houve, é certo, uma maior concentração de nomes de uma ala no executivo, que elegeu mais prefeitos e teve mais intendentes e interventores (indicados), mas, as bancadas nas câmaras municipais sempre foram equiparadas, entre um e outro grupo em Tauá.
Em síntese, qual foi o perfil predominante de nossos políticos durante o primeiro século da república?
Homens brancos, assim considerados sob os nossos costumes; ricos para o seu meio e, normalmente, latifundiários. Aqui, mais uma contradição, pois, apesar de serem predominante os fazendeiros, as 03 maiores lideranças entre 1928 a 1890 foram 01 comerciante, 01 médico e 01 advogado.
O poder sempre exerceu o seu fascínio entre os que lhe perseguem.
E o perfil do(a) eleitor(a)?
Até 1945, poucos tinham acesso ao voto, portanto, uma parcela insignificante votava – eram homens sem terras e monitorados pelos proprietários rurais (os conhecidos ‘moradores’).
De 1945 a 1985, este horizonte foi aberto, mas, o direito universal ao voto se consolidou na Constituição de 1988 com a inclusão de pessoas não alfabetizadas.
Quais os maiores avanços da política nesse período?
Sem dúvidas, a universalização do voto, a criação da Justiça Eleitoral, a institucionalização do voto secreto, e as eleições gerais no período da democracia, de 1945 a 1963.
Créditos: escritor e historiador tauaense, Anderson Mota.
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