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Foto: Honório Barbosa |
A quadra chuvosa
chegou ao Estado trazendo um cenário desigual aos açudes cearenses. Enquanto
uma parcela segue diariamente recebendo substancial e importante aporte
hídrico, outra parte amarga sucessivas perdas de volume. O primeiro cenário,
no entanto, não traz apenas comemoração ao sertanejo. A preocupação, sentimento
que deveria não ser experimentado num momento de boas chuvas, se fez presente
em várias cidades do Estado devido à precariedade estrutural de alguns açudes de
pequeno e médio portes.
A construção
irregular, sem licença da Secretaria de Recursos Hídricos do Estado do Ceará
(SRH), ou a deficitária fiscalização do órgão, convergem em uma situação de
risco iminente. Nos últimos quatro
dias, pelo menos três açudes apresentaram perigo de rompimento. Em
Pacajus, o Açude Luiz Carlos começou a sangrar no início da semana. A força da
água preocupa os quase oito mil habitantes do bairro Coaçu, onde o reservatório
foi construído há mais de 40 anos. A parede do sangradouro está deteriorada e
apresenta diversas rachaduras e infiltrações.
Ontem, a Secretaria
de Infraestrutura do Município iniciou uma operação paliativa, para reforçar a
parede da barragem, instalando pedras e blocos de piçarra.
O Açude Granjeiro,
localizado entre Ubajara e Ibiapina, também estava com risco iminente de
rompimento. Uma força-tarefa foi montada entre Defesa Civil do Estado, Agência
Nacional das Águas (Ana), poder público municipal e a população para conter a
água. Mais de 100 pessoas se envolveram na ação. Cerca de 12 mil sacos de areia
foram utilizados como medida emergencial para diminuir os riscos de
desabamento. Próximo ao reservatório, moram mais de três mil pessoas.
Alívio
Por lá, as notícias
não são apenas de cunho preocupante. O Norte do Estado foi uma das regiões mais
atingidas pelas chuvas no início desta quadra chuvosa. Ontem, o Açude Gangorra,
em Granja, voltou a sangrar após sete anos. Construído em 1999, sobre o leito
do riacho Gangorra, o Açude tem capacidade para 62 milhões de metros cúbicos.
Sua sangria trouxe, além de alegria, alívio para a população que há anos
amargava prejuízos com a lavoura. Ele é o responsável pelo abastecimento de
Granja e distritos vizinhos.
O Gangorra não é o
único a estar sangrando na Região Norte. Dos 14 açudes que atualmente
alcançaram a capacidade máxima, a metade fica situada por lá.
Enquanto isso...
O contraste deste
cenário de fartura de água - e de temor quanto ao rompimento de algumas
barragens - é notado no sertão dos Inhamuns. Somente na cidade de Tauá, três
reservatórios estão completamente secos. As chuvas escassas desde janeiro
passado já provocam perda da lavoura de grãos (milho, feijão) e de outras
culturas nos Inhamuns.
O quadro é desolador
para os produtores rurais. Os açudes estão com reduzido volume, e os poços
estão secando. Se o quadro persistir nos próximos dias, muitos já pensam em
vender parte do rebanho bovino e ovino por falta de alimentação e de água. Uma
das áreas mais críticas é o distrito de Carrapateiras, distante 25 km do centro
urbano. No sítio Altamira, o cultivo de sequeiro (aquele que depende
exclusivamente da chuva) já está perdido.
Quem preparou a
terra em fevereiro ainda não conseguiu fazer o plantio porque o solo está seco.
"As chuvas são poucas e irregulares e nunca vi uma coisa assim",
disse o agricultor Manoel Siqueira de Melo, de 72 anos. "Fiz quatro
plantas e todas morreram".
O agricultor
Francisco Carlos de Oliveira, 70 anos, disse estar desesperado e com
dificuldades de dormir. "A forragem (capim nativo) já acabou, a terra está
seca, e os bichos já começam a passar fome", lamentou. "O plantio de
sorgo, milho e feijão já se perdeu". A mulher dele, Maria do Espírito
Santo Lopes de Oliveira, mantém a fé de que as chuvas vão voltar. "Estou
confiante de que ainda vai chover".
O secretário de
Agricultura e Recursos Hídricos de Tauá, João Evonilson de Souza, observa que o
abastecimento de água da cidade está garantido para este ano, pois o açude
Trici acumula 45% e há ainda a adutora emergencial do reservatório Arneiroz II.
"Se não houver recarga, a situação vai ficar muito difícil no próximo
ano", prevê.
Prejuízo
Todas as áreas de
produção agrícola em Tauá registram perda do plantio de grãos de sequeiro.
"O quadro é geral, diariamente, os agricultores reclamam da situação que
estão enfrentando", disse Rejane Castro, secretária do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Tauá. "Tem sido muito ruim para os produtores e
por isso ocorre o aumento do êxodo rural por parte dos jovens, que não têm
oportunidade no campo".
A
zona rural do Município de Tauá é abastecida por 65 caminhões da Operação Pipa
do Exército. São atendidas cerca de três mil famílias em mais de 50
comunidades, de acordo com dados da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil
(Comdec).
"Se não chover
bem, a tendência é a situação se agravar no segundo semestre", explica o
coordenador da Comdec, José Hilton de Souza. A produtora rural, Raimunda
Tertuliano de Melo, no entanto, disse manter viva a esperança de chuvas na
região.
"Muitos falam
que o prazo é até o Dia de São José (19 de março), mas espero mais, até lá pra
junho". As chuvas irregulares são comuns no Ceará. A localização
geográfica e o fenômeno indutor das chuvas neste período, a Zona de
Convergência Intertropical (ZCTI), que se altera com frequência, dificultam a
estabilidade das precipitações.
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